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Nunes pretende abrir mão de licitação em ano eleitoral em contrato bilionário de lixo

Após virar alvo de rivais por suspeitas em outros contratos, gestão prepara prorrogação de serviços

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São Paulo

O prefeito Ricardo Nunes (MDB) pretende renovar os contratos bilionários da coleta de lixo na cidade de São Paulo sem fazer licitação neste ano eleitoral.

Após questionamentos sobre contratos emergenciais para obras contra enchente e dispensas de licitação para obras em escolas, a gestão Nunes prepara a prorrogação, sem realizar concorrência pública, dos serviços das duas concessionárias que fazem a coleta domiciliar, mesmo após indagações do TCM (Tribunal de Contas do Município) em relação a descumprimentos contratuais e baixa qualidade dos trabalhos.

No ano passado, os repasses para as concessionárias Ecourbis e Loga beiraram os R$ 2 bilhões.

Prefeito Ricardo Nunes durante evento em São Paulo
Prefeito Ricardo Nunes durante evento em São Paulo - Gabriel Cabral - 11.abr.24/Folhapress

A gestão Nunes afirmou que a prorrogação do contrato é mais vantajosa à cidade com base em estudo da Fipe.

Candidato à reeleição, Nunes tem sido alvo de adversários na pré-campanha devido aos contratos da prefeitura sem licitação —com críticas de Guilherme Boulos (PSOL) e Tabata Amaral (PSB) sobre suspeitas de irregularidades e explosão de casos.

No caso da coleta de lixo, há uma divisão dos serviços em duas grandes áreas.

Em 2004, na gestão Marta Suplicy (PT), a Loga foi a vencedora da licitação para a região noroeste da cidade e a Ecourbis, para a sudeste. Os contratos assinados pelo prazo de 20 anos acabam em outubro, no mesmo mês da eleição municipal, e contêm cláusula que permite a renovação sem licitação.

Em setembro de 2022, o conselheiro do TCM João Antônio encaminhou um alerta à prefeitura sobre os contratos com as concessionárias.

Segundo o conselheiro, àquela época ele considerava "temerária a possibilidade de prorrogação" dos contratos, "em razão do histórico de descumprimentos de contrapartidas por parte das concessionárias e da baixa qualidade dos serviços prestados, conforme constatado pela auditoria desta corte de contas".

João Antônio também apontou dificuldades de controle e fiscalização por parte da prefeitura, o que inclusive gerava "questionamentos quanto à fórmula de remuneração dos particulares, e também quanto à ausência de implantação de novas tecnologias capazes de melhorar a qualidade dos serviços, com relevantes impactos ao meio ambiente".

Um dos principais problemas indicados nas auditorias do TCM foi a falta de entrega de aterro sanitário para a região noroeste prevista no contrato com a Loga.

Procurada pela Folha, a Loga enviou nota em que afirmou apenas que "o processo encontra-se em análise pelo poder concedente e Tribunal de Contas do Município". "A empresa aguarda a manifestação das referidas entidades."

De acordo com o estudo da Fipe, a Ecourbis não fez uma usina de compostagem que estava prevista. A concessionária afirmou que "a tecnologia contemplada no contrato original foi considerada, pela prefeitura, como obsoleta, e ela foi excluída do rol de marcos contratuais".

"A prefeitura previu a implantação de novos sistemas de tratamento biológico alinhados com as novas legislações ambientais", afirmou.

Uma auditoria do TCM de 2020 sobre o contrato citou "inexecuções de investimentos descritas e documentadas, em tese, indicam hipóteses de infrações graves passíveis de sanções administrativas contratuais à concessionária".

Questionada sobre isso, a concessionária afirmou que "o cenário atual é totalmente diferente daquele de quatro anos atrás, pois não há qualquer pendência contratual". "É descabível a afirmação de hipóteses de infrações graves passíveis de sanções administrativas contratuais, no entanto, eventuais atrasos ou substituições de marcos, são objetos de revisão ordinária contratual", afirmou a concessionária, em nota.

A Folha apurou que o TCM deve emitir posicionamento nas próximas semanas sobre o assunto.

Se a corte se pronunciar de maneira negativa em relação à renovação, pode acabar gerando munição contra a gestão em pleno ano eleitoral. Por outro lado, se a manifestação endossar a gestão, deve servir de anteparo ao prefeito.

Entidades de defesa do meio ambiente criticam a falta de transparência no tema dos contratos de concessão da coleta de lixo.

Segundo a coordenadora de projetos de resíduos sólidos e agroecologia do Instituto Pólis, Elisabeth Grimberg, "faltou amplo debate público e transparência". "Contratos bilionários, que após 20 anos não fizeram a cidade avançar e mudar seu paradigma de gestão, não podem ser renovados sem escutar se a população quer incinerar seus resíduos, destruir matérias primas e contribuir para a emissão de gases de efeito estufa em tempos de crise climática."

No final de 2023, o vereador Arselino Tatto (PT) conseguiu assinaturas necessárias para o requerimento de CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) sobre o assunto.

Na justificativa, apontou que, "além dos transtornos e problemas diretos gerados à população, as falhas na execução dos contratos e da fiscalização podem estar gerando vultosos prejuízos financeiros ao erário municipal pelo pagamento de serviços não executados em conformidade". A CPI ainda não foi instaurada e segue aguardando na fila.

Reportagens do UOL e da Folha apontaram suspeitas em outros contratos firmados pela gestão Nunes.

Como mostrou a Folha, a estatal SP Obras teve proliferação de contratos sem licitação para serviços de engenharia para obras de escolas da rede municipal com indícios de cartas marcadas.

A reportagem identificou que quase metade de um total de 111 contratos firmados no ano passado envolve disputa entre empresas controladas pelo mesmo grupo familiar, parte delas com sedes registradas em imóveis residenciais sem identificação na periferia de São Paulo.

Além da questão que envolve a SP Obras, reportagem do UOL em março apontou indícios de conluio em 223 contratos emergenciais para outros tipos de obra da prefeitura, como de drenagem e recuperação de pontes, no âmbito da Siurb (Secretaria de Infraestrutura Urbana e Obras).

O assunto virou munição de rivais como Guilherme Boulos, que foi processado por Nunes após declaração sobre "roubos claros" e esquemas na prefeitura. "Todo mundo que acompanha o jornalismo investigativo dessa cidade está vendo isso, desde as armadilhas da dengue às obras emergenciais, agora lavagem de dinheiro do PCC nos contratos de ônibus", disse, ao ser questionado sobre a ação.

Na quarta (1º), Tabata alfinetou Nunes durante sua fala, ao dizer que não basta transformar a cidade em um canteiro de obras se recursos estão sendo desviados para esquemas de corrupção.

A gestão Nunes afirmou que a renovação dos contratos "é constitucional e está prevista nos contratos vigentes". Além disso, a administração diz que a Fipe apontou que "a prorrogação é mais positiva para o município ao atestar vantajosidade econômica".

"O parecer está fundamentado na aceleração de investimentos, reforço das metas ambientais, universalização de serviços, além da erradicação de passivos contratuais e da modernização contratual com revisão dos mecanismos de controle de eficiência e fiscalização", diz a prefeitura, em nota.

Segundo a gestão, os resultados do trabalho foram apresentados ao TCM e estão em análise pelo órgão. A prefeitura ainda afirmou que todos os questionamentos feitos pela corte foram respondidos.

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